terça-feira, 30 de outubro de 2007

Última noite


A noite caiu como um véu enegrecido sobre a cidade. Era curioso, como tudo parecia deserto e sombrio,mesmo não sendo ainda tão tarde. Ela desceu do ônibus a uma distância curta de casa e percorreu com um pouco de pressa o caminho que a separava do portão, detestava caminhar por aquela rua vazia, sentia olhos perfurando-lhe o corpo e calafrios lhe percorriam a espinha, mas não havia nada ali, não havia ninguém. Ela abriu o portão e entrou em casa, largou-se na cama e esperouque o ritmo cardíaco desacelerasse, tudo parecia tão calmo ali e mesmo assim seu coração ainda batia freneticamente. Os cabelos em sua nuca arrepiaram com o som do portao sendo forçado. algo estava para acontecer e ela sentira, estivera com aquela sensação o dia inteiro. Agora não havia mais nada a fazer. Trancou a porta do quarto e esperou, sentindo o coração colidir contra o peito.

As nove da noite, ele a viu descer do ônibus e percorrer o caminho até o portão de casa, sabia de cor cada movimento que ela faria, tantas vezes já estivera ali observando-a, analisando-a e, principalmente, desejando-a. Se escondera naquele beco entre o mercado e uma construção abandonada todas as noites desde que a vira ali pela primeira vez, mas esta seria a última noite, ele não podia mais esperar. Quando ela entrou em casa ele refez seus passos até o portão, achou poder sentir o perfume dela por todo o caminho. Ele forçou o portão insistentemente até que a frágil fechadura cedesse, ele sabia que cederia, já analisara aquele portão antes. a entrada se escancarava convidativamente para ele agora, seu coração acelerado de excitação. ela estava no quarto, ele podia ouvir o ruído de sua respiração por trás da porta, o último impecilho para ter o que desejava. Ele alcançou a maçaneta e girou-a, estava trancada. Ele forçou a porta até que esta abrisse .

Ela nunca gostara da idéia de manter aquilo em casa, ouvira diversas vezes sobre os riscos que poderia trazer, mas seupai insistira, na manhã seguinte a mudança ele a entregou e disse que a escondesse por perto. E lá estava ela, entre o colchão e a estrutura da cama. ela sentiu o frio metálico ao toque de seus dedos, encostou-se na parede contra a porta e esperou. Ele empurrou a porta com violência um segundo antes do disparo, o som cortando o denso silêncio. Ele sentiu o sangue aflorar-lhe na boca e escorrer por seu peito, aquela noite seria a última. Logo só haveria uma pulsação naquele quarto, ainda acelerada, não havia mais nada a fazer.

domingo, 28 de outubro de 2007

A quem interessar possa


A quem interessar possa, não tenho mais coração. Perdi-o junto a tantas outras tralhas das quais me desfiz recentemente. Não que tenha esta sido uma perda acidental, tampouco foi premeditada. Apenas eu, na ânsia de livrar-me de tudo que já não me servia, decidi que ele era apenas um fardo. Não é de mim ficar guardando essas miudezas inúteis por tanto tempo como sei que o fazem outras pessoas. Se já não tem serventia alguma, adquire endereço certo, a lixeira. É lá que ele se encontra agora, no topo da pilha dos descartados. Peguei-o olhando-me furtivamente algumas vezes, magoado e ressentido. Como se fizesse diferença... logo ele não estaria mais ali e nenhum sentimento de culpa pesaria sobre mim. Deixei-me ficar ao alcance de seus olhos só para provocá-lo. Sentei-me à escrivaninha e pus-me a rabiscar este papel. Ele agora encara-me abertamente, mas não o faz com rancor, ele mais parece triste. Juraria ter visto uma lágrima escorrer-lhe pelo rosto. De qualquer forma, não faz diferença. Eu não tenho mais coração. Ele tentou um último apelo nostálgico. Infelizmente para ele, eu não guardo sequer uma boa recordação do tempo que passamos juntos. Ainda assim, acho que vou tirá-lo da pilha. Talvez nós apenas não sejamos compatíveis. Ele pode ser útil a um outro alguém. É isso. Vou doá-lo. Ele parece menos triste agora, mas acho que ele preferia ficar. Não importa, ele se acostuma. Por mim ele poderia ir para o lixo e não faria diferença. Só mudei de ideia porque não é de mim desperdiçar. Sendo assim, a quem interessar possa, tenho um coração disponível. Favor entrar em contato.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Dor


DOR
Navalha encravada na carne dormente

do frio metálico que amortece a ferida
SANGRANDO
O calor rubro escorrendo em meu peito
refazendo o caminho que a lâmina abriu
VIOLENTA
Toda a fúria e revolta que eu te causei
descontada em um único golpe certo
FATAL
Essa história que começou errado
e por medo do fim nós fizemos durar tanto
TEMPO
Perdido em lembranças sufocantes de ilusão
figuras sem foco dançando em minha mente
CERRANDO
Meus olhos que não mais se abrirão
Já não sinto
Nem mesmo dor
Nem mesmo por ti